terça-feira, 30 de novembro de 2010

UMA POSTAGEM PARA REFLEXÃO

O Brasil derrota o Brasil. Para delírio do Brasil

por Luiz Carlos Azenha
A população brasileira vibra. “Forças de segurança” garantiram a vitória do Brasil contra… quem mesmo? O Brasil.
Finalmente, nossa gloriosa bandeira está hasteada em Iwo Jima.

A foto foi publicada no site do Sidney Rezende.
O discurso é grandiloquente: o território teria sido “libertado”, o “momento simbólico entra para a história”, é a “atitude emblemática”.
Na cobertura dos acontecimentos do Rio de Janeiro só está faltando aquela vinheta “Brasil!” que a Globo usa na Copa do Mundo.
Em uma única edição do Jornal Nacional, dois populares apareceram falando na vitória do “bem”.
É a negação, pela força, de que o “mal” também somos nós, brasileiros.
Ou fomos invadidos por uma força estrangeira de traficantes? Seriam seres extraterrestres os bandidos do Alemão? Seriam resultado de geração espontânea?
Por trás do heroísmo do BOPE, dos blindados que sobem o morro com a bandeirinha do Brasil tremulando, dos repórteres que usam coletes à prova de bala, por trás de todo o circo há uma guerra do Brasil contra o Brasil.
Os “ratos” que fogem pelo esgoto somos todos nós, brasileiros.
É nessa hora da “exceção” que reconhecemos o verdadeiro Brasil: o que clama pelo fuzilamento, o que nega direitos básicos elementares para os outros (inviolabilidade do domicílio, por exemplo), o que se concentra em soluções de curto prazo, o que esconde a miséria quando vai receber visita (o mais importante é ‘preparar o Rio’ para a Copa e as Olimpíadas).
A maconha, a cocaína e as anfetaminas amplamente consumidas nas festas e casas da classe média brasileira, afinal, aparecem lá por “geração espontânea”, do mesmo jeito que os traficantes do Alemão e da Vila Cruzeiro.
Como escreveu o Sakamoto, o Brasil perdoa o Brasil que usa métodos criminosos contra criminosos.
Como escreveu o Luiz Eduardo Soares, o Brasil busca as soluções fáceis, pirotécnicas, maniqueístas.
Para que tudo continue como está, eu acrescentaria. Para que o Brasil continue gastando mais com juros do que com saúde, educação e salários.
Para que, assim que a farsa acabar, os “heróis” de hoje sejam acusados de abalar as contas públicas, se continuarem a reivindicar a aprovação da PEC 300, a que visa criar um piso salarial para os policiais brasileiros.
Deveríamos ter vergonha de ter deixado as coisas chegarem onde chegaram. Deveríamos ter a decência de não usar o patriotismo onde cabe a vergonha.
 
 

Beatriz Vargas Ramos e o RJ: Direito ao dissenso

“Segundo a investigadora Vera Malaguti, o inimigo público número um está sendo esculpido tendo por modelo o rapaz bisneto de escravos, que vive nas favelas, não sabe ler, adora música funk, consome drogas ou vive delas, é arrogante e agressivo, e não mostra o menor sinal de resignação” (Eduardo Galeano, De pernas para o ar: a escola do mundo ao avesso).
por Beatriz Vargas Ramos, no blog Na sombra da mangueira
Desde domingo passado, quando surgem os primeiros incêndios de veículos nas ruas do Rio de Janeiro e a imprensa dá início à cobertura dos fatos, uma voz vem repercutindo e crescendo acima do burburinho e do bombardeio – o outro bombardeio, o das imagens, estáticas ou dinâmicas, que vem de todas as direções. Parece existir uma esperança no ar, algo semelhante àquele sentimento que paira em final de copa do mundo, de que, desta vez, sim, a vitória está garantida!
Diz-se que a vitória em questão é a da guerra contra o crime, em especial, o tráfico de drogas, o mais hediondo de todos, encarnado pelo inimigo público nº 1, aquele que convoca todos os ódios, medos e paixões.
Percebe-se em transmissões de rádio e TV uma entonação diferente na voz, um olhar diferente, outra respiração, uma adrenalina, certa dose de euforia, embora contida, na pronúncia de trechos inteiros de um discurso carregado de armamento mortal contra o traficante das drogas ilícitas, uma verdadeira descarga de metralhadora como esta: “Acuados centenas de criminosos, operação prossegue, 450 homens do BOPE e das polícias Militar e Civil do Rio, com apoio inédito de veículos blindados da Marinha, provocou a fuga de centenas de criminosos da Vila Cruzeiro”… Tudo parece indicar um final feliz, vence o mocinho e o bandido é eliminado.
Surge no horizonte um outro Cabral que refunda (palavra que voltou à moda moda recentemente) um marco histórico e promete, a partir do Rio, (re)descobrir um novo Brasil em meio aos escombros da batalha contra o crime. Esse Cabral é jovem, cheio de testosterona, como todos os corpos machos envolvidos, heróis ou bandidos desta guerra. Chama a bandidagem para a briga, diz que não vai recuar, não tem medo de terrorista. A ênfase que a imprensa tem dado a esse Cabral não é a de líder de um governo estadual com “estratégias bastante distintas do padrão vigente”, como Cláudio Beato escreveu hoje na Folha de S.Paulo (26/11/2010, A-3).
Estão dizendo na TV que os brasileiros querem blindados e tanques de guerra para defender a “sociedade dos ataques dos criminosos”. E esses brasileiros existem e para nos provar sua existência são levados para a tela da TV. Formam, certamente, a tal maioria numérica (grupo que, sozinho, está em quantidade superior à metade do grupo inteiro) necessária para emplacar um plebiscito pela pena de morte, por exemplo. Despontaram na telinha pessoas que estão acreditando nisso, precisam acreditar, que as Forças Armadas vencerão a guerra contra o tráfico. Houve um cidadão que chegou a manifestar expressamente sua crença de que “no fim, o bem vencerá o mal”. O que estão pedindo os moradores das próprias áreas ocupadas pelas tropas e blindados? Exatamente isso, tropas e blindados! Nunca a voz da favela ecoou tão diretamente ou repercutiu de forma tão imediata junto ao Poder Público. Vocês querem o BOPE? Vocês querem o exército e a marinha? Pois tomem BOPE, tomem exército, tomem marinha! Não é a segurança um direito do cidadão? Na linguagem mercadológica: satisfação total do cliente! As mortes de crianças, idosos, jovens, homens e mulheres não diretamente envolvidos são efeitos colaterais do combate necessário.
Ora, mas essa é a fala dos que querem fazer da segurança pública a máquina para matança de brasileiros pobres, traficantes ou não traficantes, bandidos ou mocinhos! Esse discurso pode se voltar facilmente contra UPP’s, contra polícia cidadã, pode minar condições para construção de qualquer coisa distinta do BOPE e reverter as possibilidades de tratamento da questão da violência na linha dos direitos humanos.
Hoje eu ouvi no rádio um comentarista dizendo que Forças Armadas são treinadas para matar o inimigo e, portanto, “se todos querem as Forças Armadas nesse conflito, que depois não venham chorar os cadáveres espalhados”.
Sinto-me mal, dói a cabeça, o estômago arde, fico indignada… Discuto sozinha na sala, em frente à TV… O Merval Pereira também entende de segurança pública! Estamos salvos… E eu que nem sabia dessa… Já cheguei a pensar que ele era o dublê de voz do Alf, o ETeimoso , mas – quem diria! – não sabia de sua expertise em estratégias contra o crime. Acaba de sugerir o corte de todo e qualquer tipo de comunicação, com o mundo externo, dos líderes do tráfico que saíram de Catanduvas para Porto Velho.
E se a queima de automóveis não for por causa das UPPs? E se as milícias tiverem uma função mais importante nesse cenário?
Entretanto, não é implausível que traficantes dos morros do Rio reajam desta forma se estiverem diante da dificuldade de sobrevivência dos pontos de comercialização da cocaína ou, pior, na iminência de perder o controle sobre a venda da droga proibida.
(Aos traficantes “incluídos”, aptos ao exercício do consumo graças ao negócio lucrativo da cocaína, não interessa a descriminalização, porque outra é a lógica do mercado lícito, onde reassumirão o status de simples excluídos da ordem legal – dominada que é pela elite financeira, pelos ricos que podem consumir qualquer droga ilícita ou comercializá-la impunemente).
Como será que reagiriam, por exemplo, os empresários do fumo e do álcool se, por qualquer razão, absurda razão, fossem ameaçados de perder seu business? A diferença entre ambos, além, é claro, do selo de licitude/ilicitude do produto comercializado, é que o primeiro negócio gera muito mais dinheiro e movimenta uma outra indústria da morte, a das armas e munições.
Algum dia talvez se possa desmanchar esse falso consenso de que o proibicionismo penal, com a produção de cadáveres, culpados ou inocentes, vai derrotar o tráfico e deixar o Rio de Janeiro – e o resto do mundo – livre da droga. Hoje já se percebe alguma tolerância em relação à maconha, fala-se em consumo recreativo de maconha na Califórnia, a maconha é cultivada na Califórnia. Está deixando de ser negócio de índio e está virando negócio de branco. Não demora a sair a legalização…
Essa guerra não é nossa. Não é carioca, não é brasileira e nem sulamericana. Que me desculpem certas personagens da nova esquerda punitiva, limpinha, engomadinha e que não fala palavrão, é injustificável o investimento de tantos recursos a serviço na eliminação física dos pobres. Massacre não significa mais segurança pública, é apenas o serviço do business dos equipamentos e tecnologias de segurança produzidos pelos países ricos. Essa guerra não existe para acabar com a droga. Jamais terá fim essa guerra infinita. Somente pausas, tréguas, intervalos. É para ser consumida no formato novela, seriado. Trata-se da guerra pela guerra, um outro bom negócio que não pode acabar, neverending war…
Produto altamente rentável no mercado, a guerra também é sensacional. Ela consome armamento e tecnologia e vende cinema, novela, jornal, cultura para a massa. Imagens reais e fictícias. A guerra vende sensação. No fim, a guerra é do mesmo partido que a droga, o partido da sensação, ela promete o mesmo que a droga.
Ainda pior que o consenso da lógica beligerante no terreno das drogas é a impossibilidade do dissenso – arrogante, violenta e antidemocrática. Por que não discutir princípio de segurança pública, ao invés de alimentar o espetáculo produtor de ethos heróicos e guerreiros, papéis historicamente destinados aos eternos derrotados, de ambos os lados, dessa estúpida guerra, os jovens pobres que vêm do mesmo lugar, uns para serem policiais e outros para serem bandidos? Não, isso não é um set de filmagem, isso é real.
É real o fogo marginal que se espalha pelo asfalto fazendo vítimas de verdade. Não é faz-de-conta o fogo oficial que sobe o morro para deixar mais corpos no chão. Ao final, a luz não vai se acender, não haverá cortinas a se fecharem sobre uma grande tela escura por onde desfilarão os créditos da obra. Não, não haverá um fundo musical, enquanto nós, passivos espectadores, mudamos de canal, do jornal nacional para a novela das oito, com a agradável sensação de que é o mundo que está mudando para melhor (ou para pior, quem sabe?). O depois será o saldo da violência, a morte, a dor, a intensificação do ódio, na sequência, o esquecimento e, com ele, outros jovens, pobres e negros, retomarão os postos dos bandidos mortos. A guerra contínua já pode recomeçar.
Essa queima de carros e ônibus praticada no palco social visível da classe média pede uma resposta imediata, é verdade, uma reação pronta, de força e manutenção da ordem. Mas é pontual, uma reação momentânea, porque não dá para transformar as forças armadas na força de segurança das cidades brasileiras, seja o Rio ou qualquer outra. Irmão invisível, grande irmão que nos vê a todos, anjo do bem que abre para nós suas janelas de ver o mundo, deixe-nos em paz com nosso sofrimento. Não nos queira convencer que essa guerra é boa, que é a única saída possível e vai nos livrar de todo mal da droga para sempre, amém.
A discussão pública corre o risco de seguir, mesmo depois do fim das recentes eleições, a mesma linha estúpida, simplificadora e maniqueísta entre o bem e o mal, no caso, a guerra ou a droga. Por favor, que se respeite ao menos o direito que as minorias (grupo que, sozinho, é menor que a metade do grupo inteiro) têm ao dissenso!
* Beatriz Vargas Ramos é advogada, foi professora assistente de Direito e Processo Penal da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de 1994 a 2009. Atualmente leciona na Universidade de Brasília (UNB), onde está concluindo o doutorado na área de Direito.
 

segunda-feira, 15 de novembro de 2010


Gil Vicente usava o Auto para peças cuja finalidade era tanto divertir quanto instruir; seus temas, podendo ser religiosos ou profanos, sérios ou cômicos, deveriam, no entanto, guardar um profundo sentimento moralizador.
Passado um pouco mais de 500 anos destas construções podemos comprovar o quanto não houve evolução ética na sociedade. A imagem acima é um retrato disso.

A foto fala por si própria

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Presidente ou Presidenta? Polêmica, agora, é como o brasileiro vai chamar sua superpoderosa

Chamar presidenta fortalece a luta feminista porque sinaliza logo tratar-se de uma mulher?

 

Paulo  Leandro|Redação CORREIO
paulo.leandro@redebahia.com.br

Imagina uma cena assim.

- Presidente, presidente, como vai a senhora?
- Presidente uma conversa. Me respeite que eu sou é presidenta. Presidentaaa, entendeu bem? Presidenta!

Este suposto carão de Dilma é só um exercício de fantasia. Mas bem que poderia ilustrar a encruzilhada sociolinguística que sucedeu a eleição de Dilma Rousseff  presidente do Brasil. Ou presidenta. 
A questão pode parecer irrelevante, pois à primeira vista, tanto faz chamar de um ou de outro jeito. Mas ela traz em seu rastro inquietações decisivas para os próximos quatro anos. A escolha por uma ou outra opção gera resultados bem diferentes. Do ponto de vista da norma culta, os dicionários Aurélio e Houaiss já recomendam o uso de presidenta como feminino de presidente ou para a mulher do presidente, mas o debate não se esgota aí.
Chamar presidenta fortalece a luta feminista porque sinaliza logo tratar-se de uma mulher? Presidente, como o CORREIO prefere, é melhor que presidenta para os ouvidos e leitores sensíveis? Dá pra chegar a uma conclusão ou cada um faz sua escolha?

A professora Paula Gemima, especialista em linguagem de sinais para deficientes auditivos, optou por chamar presidente. “Assim, fazemos um sinal só com a mão, pois o sinal já traz implícita a ideia que é um homem presidente. Se chamar presidenta, seriam dois sinais, um para o cargo e outro para mulher”, simplificou, antes de treinar mais um aluno em Paripe, no Subúrbio, onde mantém seu curso.
COTIDIANO Já a pedagoga e professora de português, Maria Cristina Vidal, prefere a opção mais fácil de entender. Estabelecida no ramo de suporte pedagógico, a antiga “banca” ou “reforço escolar”, ela ensina a seus alunos escreverem “a presidente” porque “a presidenta não soa bem”.
Cristina compara: “gerenta também existe, mas ninguém chama assim desse jeito. No Exército, não tem soldada, nem capitã... é muito feio!”.
A pró segue os ensinamentos do professor Adalberto J. Kaspary, que vai buscar na  Academia das Ciências de Lisboa, a fonte para defender o uso da palavra comum a homem e mulher: presidente. Segundo a interpretação de Kaspary, “presidenta” pode tornar-se pejorativo, principalmente se ela fracassar.
Chamar de chefa e parenta também ficou meio baixo-astral em contextos específicos de desvalorização da mulher.
Ellen Gracie Northfleet, a primeira mulher a presidir o Supremo Tribunal Federal, se diz presidente, que é mais formal, como pede o cargo. A acadêmica Nélida Piñon seguiu esta trilha, ao apresentar-se como “a primeira presidente” da Academia Brasileira de Letras. Patrícia Amorim é a presidente do Flamengo e não presidenta.
O famoso professor Pasquale Cipro Neto se escala no time que prefere chamar “presidente Dilma”. Em uma de suas aparições em programas de TV sobre língua portuguesa, aproveitou o momento político para decretar: normalmente as palavras que terminam ‘nte’ não têm variação. “O que identifica o gênero é o artigo que o precede, como o gerente, a gerente, o pedinte, a pedinte”.
A professora baiana, filha de pais russos, Nadegda Kochergin, pede licença para discordar do mestre Pasquale: “Presidenta é melhor porque deixa claro ser uma mulher e a questão de gênero, agora para o Brasil, vai tomar um novo fôlego”.  É assim, “presidenta Dilma” que o Kumon, estabelecimento onde a professora Nadegda trabalha, com 25 unidades em Salvador e Região Metropolitana, vai recomendar a seus 2,6 mil alunos.
Na campanha, o PT divulgou “candidata a presidenta”. Se for dado a Dilma o direito de decidir como prefere, é muito provável que ela determine ser chamada  “presidenta”.
Antes, a forma feminina se estabeleceu em professora, doutora e juíza, que também soaram estranho nos primeiros anos, mas depois foram assimilados no falar cotidiano dos brasileiros.
MAIS SIMPLES
Na Argentina, a presidenta Cristina Kirchner jamais deixou qualquer dúvida de sua preferência. “Presidenta! Comecem a se acostumar. Presidentaaa... e não presidente!”,  gritava aos eleitores e eleitoras, toda animada, na campanha.
As mulheres argentinas saíam do chão nos comícios, felizes da vida com a disposição de Cristina para encarar a tradição machista.